O programa de Au Pair não existe na Irlanda, não como na Terra do Tio Sam nos EUA. Na Obamaland, tudo é regulamentado pelo governo e, normalmente, nenhuma au pair é explorada ou mal paga. As regras são muito claras e as agências autorizadas cadastram as famílias e as meninas interessadas no mundo todo.
Tanto famílias como au pairs pagam para a agência. Nos Estados Unidos, elas são responsáveis por visitar a casa e checar que a família têm condições de receber uma au pair, orientam como funciona o programa, checam referências da família e oferecem 3 dias de treinamento para a au pair que eles contratarão. Do outro lado, a au pair recebe orientações sobre o programa e visto, faz teste de inglês e psicológico e prepara um dossiê com referências e sua experiência com crianças. A agência também é responsável por reservar as passagens aéreas (na ida, pagas pela família e na volta, parte pela au pair e parte pela agência) e dá assistência durante todo período em que a menina morar nos EUA com o visto de intercambista. Por que estou falando tanto de au pair por lá? Daqui a pouco vocês vão entender…

Já a Irlanda é uma terra sem rei, digo, sem regulamentação. Tanto é assim que recentemente o The Journal publicou uma matéria sobre a exploração deste tipo de mão de obra e o apelo do Centro dos Direitos do Imigrante na Irlanda para regulamentar a profissão, aliás, o programa de au pair. Há uma grande diferença entre au pair e babá. A primeira mora na casa e via de regra, é uma estrangeira que estuda no país e deseja morar com uma família pela troca cultural, melhora no idioma e economia enquanto a segunda é uma trabalhadora “normal” que vai e volta para sua casa todos os dias.
Mas o que vemos por aqui são famílias que exploram meninas e por outro lado, meninas que não se informam e ou se acham mais do que realmente são ou se deixam ser exploradas. Sem contar brasileiras que exploram outras brasileiras nesta história toda.
As famílias normalmente oferecem 100 euros semanais se a menina morar na casa, podendo chegar até 150 em alguns casos. É justo? Vamos comparar com os EUA, onde é tudo regulamentado. O salário mínimo americano é US$ 7,25/h (varia por estado, mas este é o mínimo nacional) e a au pair pode trabalhar até 45h/semana, ou seja, US$326,25 semanais. Porém, como considera-se que a família tem gastos extras por ter uma pessoa morando em sua casa, deste valor desconta-se 40% (alimentação, moradia, internet, luz, água etc), sendo que a au pair recebe US$ 195,75 atualmente. O salário mínimo irlandês é € 8,65/h e a au pair trabalha, em média, 40h semanais. Ou seja, € 346,00 – 40%= € 207,06. E aí, é justo? Claro que não posso aplicar as regras americanas na Irlanda, mas serve como base.
Eu não entendo muito bem como funcionam os descontos do salário de um trabalhador registrado na Irlanda, mas sei que pelo menos 20% é descontado do rendimento líquido de cada um. A childminder que trabalhe 40h semanais sem direito a fazer refeições na casa (porque ninguém come de graça numa empresa, come?), deveria receber € 276,80 (346,00-20%= 276,80) por semana ou pouco menos que isso se fizer as refeições (diria algo em torno de € 250,00).

A essa altura você deve achar que estou viajando na maionese, né? Não, estou apenas contando como seria o mundo ideal, que não existe. Aí você me diz que a childminder não tem registro e, portanto, não tem desconto de imposto e deveria receber integralmente. E eu respondo que se você aceita trabalhar sem registro não tem mais o amparo da lei assim como a au pair, que mora com a família, não tem como exigir seu pagamento justo porque não há leis para isto.
Neste impasse, as famílias se aproveitam (porque nenhuma delas é tão inocente para não saber que é ilegal pagar menos que o mínimo) e as meninas que precisam trabalhar para se sustentar são exploradas. Não bastasse isso, aqui na Irlanda existe a tal da “experiência”, um dia que a menina é convidada a trabalhar para a mãe ver se ela corresponde às suas expectativas. Ah, não é anormal este dia não ser pago. Neste post do blog Juntos Por Aí, a Camille conta sua experiência com este tipo de família.
Como se tudo isso ainda não fosse suficiente, existe uma “consultoria de au pair” por aqui. A primeira pergunta é como pode haver consultoria para um programa que, legalmente, não existe? Eu não tive experiência com nenhuma das consultorias (que eu saiba, atualmente, existem 3, todas prestadas por brasileiras) porque sempre soube que eu não precisava pagar por um (de)serviço que eu poderia fazer sozinha, mas muitas conhecidas (por desespero ou por estarem acomodadas) recorreram a elas e me contaram como foi. A Camille, no blog, também contou sua (péssima) experiência!
E como funciona? Você preenche um cadastro com seus dados e as “consultoras” passam a enviar sms com toda e qualquer vaga que apareça. Se você se interessar por alguma, responde e marca a entrevista e o resto é por sua conta. Não há orientação para nada e menos ainda assistência depois que a “cliente” conseguiu uma vaga. Não posso afirmar com certeza, mas imagino que as famílias não são devidamente orientadas e muito menos entrevistadas antes de receberem uma au pair. E o valor desta consultoria (?) fica em torno de 100 a 200 euros, em média, dependendo do pagamento que a família oferecer, o que, na minha opinião, já descaracteriza completamente um serviço de consultoria, pois creio que o valor cobrado seja referente ao tipo de serviço prestado e não ao pagamento que a menina vai receber. Mas a questão é: que serviço prestado? No começo deste post expliquei como uma agência trabalha para au pairs e famílias e creio que tenha ficado claro que, de fato, prestam um serviço e cobram por ele (algo em torno de US$ 300,00 para a au pair), porém, por que as tais consultoras chegam a cobrar até 200 euros por apenas te encaminharem para uma entrevista (elas não procuraram a melhor opção para você, acredite, te enviam para a primeira que surgiu)? Eu posso procurar contatos de famílias de graça na internet e tenho as mesmas vantagens que a consultoria me oferece: nenhuma, se algo der é errado, é problema meu como vou resolver! É como sempre digo, só há espertos no mundo porque existem trouxas (com perdão da expressão)!
Como não há regras, o jeito é saber jogar o jogo. Não, não ganho o mínimo por hora como childminder (e nem 98% das brasileiras que cuidam de crianças full time) e faço todas as minhas refeições na casa com exceção do jantar, porém não me sinto explorada. Na última semana, por exemplo, a família me deu dois dias de folga e mesmo assim me deram o pagamento completo da semana. O ideal seria mesmo que eles me pagassem por hora, mas acreditem que mesmo não pagando, eu ainda recebo um salário alto se comparar com outras meninas por aí. C’est la vie.