Estágio – Peculiaridades do ensino finlandês

No post anterior comecei a contar sobre meu estágio na escola finlandesa. Este estágio surgiu por acaso, já que eu estava mesmo tentando achar algo em alguma ONG brasileira, mas no fim das contas, fiquei satisfeita de não ter obtido resposta de nenhuma das ONGs e acabar estagiando numa escola local. Como professora, posso dizer que a experiência foi excelente e pude ver na prática o que já havia lido na teoria em vários artigos sobre a educação no país. Neste post vou contar mais um pouco sobre esta experiência e o sistema de ensino.

Aulas de inglês

Até 2015, os alunos começavam a ter aula de inglês no 3º ano (com 9 anos de idade), mas com a implementação do novo currículo em 2016, as aulas de inglês começam no 2º ano. Eu pude observar algumas aulas do 2º ano e também dar algumas aulas. Os professores ainda estão “testando” o novo currículo e deixam bem claro que tudo ainda é uma experiência.

De modo geral, nas aulas os professores e os alunos recorrem muito a primeira língua (finlandês) para ensinar inglês. Quando estava trabalhando com os 6ºs anos, por exemplo, todos os textos que entregava os alunos, literalmente, traduziam em finlandês no caderno e eu observei que era uma atitude natural, ou seja, algo que já estavam habituados a fazer em aula. O material didático também recorre a tradução o tempo todo para ensinar inglês.

Conversando com os professores, perguntei se existia algum tipo de escola de idiomas particular (como as que temos no Brasil) ou se os alunos aprendiam inglês apenas na escola. Eu fiquei muito surpresa quando a professora falou que todo o inglês dos alunos é aprendido apenas na escola. No 6º ano, os alunos já dominam o idioma suficientemente bem para se comunicarem em situações do dia a dia e o ensino continua até o fim do ensino médio. Além disso, os alunos tinham 2 aulas semanais de inglês, sendo que em uma delas a turma sempre era separada em duas e fazia a aula em horários diferentes. Segundo a professora, isso acontecia para dar mais oportunidade aos alunos, já que a atenção da professora não era dividida com uma turma inteira.

Porém, de modo geral, os finlandeses são muito tímidos e humildes para reconhecerem que falam inglês bem, então uma situação muito comum é um finlandês ter vergonha de conversar em inglês e se desculpar muito pelo “péssimo inglês”, o que não é verdade. Minha experiência morando em Oulu é que qualquer finlandês com menos de 40 anos tem um nível de proficiência suficiente para se comunicar, mesmo que cometa erros ou tenha um sotaque muito forte, o que prova como o ensino de idiomas no sistema público de educação é bom. Claro que algumas pessoas têm mais facilidade/interesse que outras e falam melhor, mas isto se aplica a tudo, né? Matemática, Biologia, Física etc.

Outros idiomas

Além do inglês, sueco também é obrigatório, pois é a segunda língua oficial do país. Eles só começam a aprender sueco lá pelo 5º ano e, pelo o que notei, não são tão fluentes no idioma como em inglês, talvez até porque não necessitem tanto usar no dia a dia quanto o inglês. Além dos dois idiomas obrigatórios, as escolas costumam oferecer outros idiomas como aulas extras após o período de aula – geralmente espanhol ou alemão. Os alunos que optarem por fazer mais um idioma, não pagam nada a mais, já que o ensino é completamente gratuito.

Aulas optativas

Os alunos da escola primária têm o professor de sala e o professor de inglês/sueco. Na escola onde fiz estágio, eles também poderiam escolher entre fazer aula de trabalhos manuais voltada para artesanato ou marcenaria e afins. Apesar de toda a fama de ser um país com mais igualdade de gênero, alguns estereótipos são os mesmos: eu só vi meninas na aula de artesanato e os meninos todos na aula de marcenaria. Não acompanhei nenhuma aula de marcenaria, mas na de artesanato a professora ensinava a fazer decoração de Natal. Eu gosto muito de trabalhos manuais e acho que teria adorado ter uma aula dessas na escola, ainda mais porque tudo que os alunos fazem tem alguma ligação com a vida fora da escola – quando visitei a escola no verão, as meninas estavam aprendendo corte e costura fazendo saias, por exemplo. Notei que todas as mulheres finlandesas sabem tricotar e todas aprenderam na escola – e saber tricotar uma boa meia ou cachecol na Finlândia é realmente uma habilidade necessária! 🙂

Alunos especiais

 Há um imaginário que no sistema finlandês há a inclusão total. Na verdade, é o que vendem: “nenhum aluno é deixado de fora”. Por um lado, como o sistema é público e trabalha de acordo com a necessidade dos alunos, isto é verdade, mas por outro, não significa que todos os alunos estarão juntos em sala de aula sem qualquer tipo de “segregação”. Os alunos com dificuldades são separados da turma para aula de reforço. Numa turma de 6º ano, duas irmãs gêmeas que tinham muita dificuldade com inglês não participavam das aulas com os demais alunos e faziam exercícios extras em outra sala. As mesmas irmãs e uma outra aluna tinham dificuldade com as aulas de finlandês e as 3 iam para outra turma ter aula com uma professora especial. Nesta aula, com menos alunos, elas podiam ir no próprio ritmo e, assim, ter a oportunidade de aprender também.

Religião

A maioria da população finlandesa é luterana e a aula de religião “padrão”, então, é luterana. Mas o sistema impõe que a religião de cada aluno seja respeitada, portanto, caso o aluno professe outra fé, a escola é obrigada a contratar um professor para dar aulas daquela religião para o aluno. Descobri isso um dia, depois do horário de aula, quando vi uma aluna sozinha com uma professora em uma sala e perguntei a A., a professora de idiomas, o que estava acontecendo. Foi quando ela me explicou que a aluna era católica ortodoxa e como não participava da aula de religião com os demais alunos e era a única na escola, ela ficava depois do horários para ter estas aulas. A A. também me explicou que se a família não tem nenhuma religião, a criança tem aula de ética. Já perguntaram o que aconteceria se a criança fosse do candomblé ou umbanda, ou até mesmo espiritismo… bem, primeiro que eu acredito que não tenha essas religiões por lá ainda, já que são “brasileiras”. Caso isso acontecesse, eu não sei se a escola poderia prover uma aula especial a estes alunos, pois precisariam de professores capacitados. Meu “chute” é que talvez a criança participasse da aula de ética, mas eu realmente não tenho uma resposta final para esta pergunta.

Continua… 😉

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Zona de conforto

Você já deve ter ouvido falar na tal da zona de conforto. É onde nos sentimos seguros e confortáveis e se define por tudo aquilo que estamos acostumados a fazer ou sentir. Quem é que não gosta de se se sentir pisando em terras conhecidas, hein? Mas se continuamos eternamente andando só onde já conhecemos, limitamos nosso aprendizado e evolução. Mas claro, sair da zona de conforto implica correr riscos, perder a segurança e encarar novas situações, por exemplo. Difícil, não?

Eu sou professora de inglês e, acreditem ou não, nós professores sempre sabemos se você, aluno, estudou ou não em casa, se dedicou alguns minutos do seu dia praticando inglês, se você se esforçou para fazer sua lição de casa ou simplesmente fez de qualquer jeito. Assim como também notamos se você não está acompanhando o curso porque tem dificuldade ou porque é preguiçoso. Nós sabemos. Sempre.

E o que uma coisa tem a ver com a outra? Dia desses notei que uma de minhas alunas, adulta e responsável, que precisa aprender inglês para conseguir o emprego desejado, não tem se esforçado para aprender. Nem sempre entrega sua lição de casa, não estuda e diversas vezes durante a aula ela se distrai com outras coisas enquanto fazemos os exercícios de conversação ou então, não faz questão de praticar. Prefere o caminho mais fácil. Ela está em sua zona de conforto e só vai até onde se sente segura. Resultado: ela está com dificuldades e não se esforça para superar os desafios.

Acho que o maior exemplo de saída da zona de conforto é o intercâmbio, principalmente para aqueles que têm pouco domínio do inglês. Saímos do conforto da nossa vida, rodeados de falantes de português, e vamos para outro país construir tudo do zero e ainda num lugar onde ninguém fala nossa língua. Opa! Ninguém?

A comunidade brasileira em Dublin é grande e a coisa mais natural é querermos fazer amizade com os “iguais” quando chegamos lá, ou seja, os brasileiros. Já falei sobre amizade com compatriotas aqui. Sair do Brasil para continuar na zona de conforto na Irlanda não vai melhorar sua fluência. Cada um precisa ser responsável pelo próprio aprendizado, então se esforce para fazer amizade com estrangeiros, assista muitos filmes, leia revistas e jornais, procure no dicionário palavras que não sabe o significado etc. Vá além! E para aqueles que ainda estão no Brasil, parem de assistir filmes dublados. Se já assiste legendado, agora tente sem as legendas, confiando só no seu listening. Vai ser difícil, você não vai entender 100%, vai precisar se concentrar bastante, mas só assim é possível ir além, saindo dessa zona de conforto. Tente se expor ao máximo ao inglês.

Como professora e ex-intercambista, este é o meu conselho. Não trave no primeiro obstáculo, vá além do que já aprendeu, se exponha (fale muito errado, mas tente falar acima de tudo), ouça muito inglês (filmes, seriados, músicas, pessoas) e acima de tudo, seja você o responsável pelo seu aprendizado. O único beneficiado, no fim das contas, vai ser você mesmo.