Xenofobia

“Xenofobia (do grego ξένος/ xénos: “estranho”; e φόβος/ phóbos: “medo.” ) é o medo, aversão ou a profunda antipatia em relação aos estrangeiros, a desconfiança em relação a pessoas estranhas ao meio daquele que as julga ou que vêm de fora do seu país.” Isso não sou eu quem diz, mas o Wikipédia.

Eu nunca sofri com xenofobia nem nos EUA nem na Irlanda e não sei o que é ser discriminada por não pertencer ao país – não que isto não exista nos citados países, mas não aconteceu comigo nem com ninguém que eu tenha conhecido. Este post não é contado a partir do ponto de vista de quem sofreu xenofobia, mas de quem a testemunhou. No Brasil.

Na semana passada estava voltando para casa de metrô depois de ir a um festival de bandas cover (Smiths <3). Peguei a linha amarela que ainda está em expansão e costuma fechar as estações centrais aos finais de semana ou funcionar com velocidade reduzida e maior intervalo entre os trens – coisa que todo paulistano já sabe. Por conta disto e apesar de ser um sábado, a plataforma ficou cheia e quando o trem finalmente chegou, o vagão ficou lotado. Fiquei na porta e do meu lado parou um homem exalando cerveja, porém não parecia bêbado. Acredito que ele tenha entrado naquele esquema “empurrar bem sem ver quem” e um rapaz que estava próximo a ele ficou incomodado e falou que ele não precisava fazer aquilo e ele não havia gostado de ser empurrado – e o vagão nem estava tão lotado assim. O homem, que estava na casa dos 50, respondeu que se ele não havia gostado, que saísse, pois no metrô é assim mesmo e não existe essa de pedir licença. O rapaz, bem de boa, respondeu que ele poderia sim ter pedido licença, não ia fazer mal algum. Só que nesta hora algo que não havia sido notado antes ficou claro na fala do moço: ele tinha sotaque hispânico – não era daqui.

O homem, então, retrucou em outro tom. “Aqui as coisas funcionam assim, ninguém discute no metrô por causa de empurrãozinho. Na nossa casa é desse jeito que funciona. Sai daqui, volta pra sua casa.”

O rapaz ficou em silêncio, certamente querendo evitar confusão. Eu virei os olhos de indignação. Os demais passageiros só observaram, mas notei algumas caras de reprovação. Quando chegamos na estação seguinte, onde muitos descem, dois homens que estavam perto de mim começaram a tirar sarro. “São Paulo é muito grande, viu? Não precisa ser tão espaçoso, cabe todo mundo.”

Eu fiquei muito ofendida com a atitude do homem em relação ao estrangeiro, porque eu já fui a estrangeira, mesmo que temporariamente, em dois países e sei bem como me sentiria péssima se alguém me destratasse pelo simples fato de eu ter nascido em outro país. E isso me levou a refletir sobre outras coisas. Brasileiros quando imigram querem ser respeitados, não é? Saem do Brasil procurando melhores condições de vida – seja a trabalho ou para estudar e querem ser tratados bem. Temos a fama de ser um povo super amigável e receptivo que adora um gringo – mas, claro, depende do gringo.

Separamos os estrangeiros em dois grupos: o dito gringo que é o europeu, o americano, aquele dos países de primeiro mundo e estes merecem respeito, lógico. E tem os latino-americanos, os africanos, aqueles que a gente não dá nenhum prestígio, mas que imigram pra cá procurando exatamente a mesma coisa que a gente procura na Europa e nos EUA: melhores condições de vida. Quantas e quantas vezes eu não ouvi comentários pejorativos sobre bolivianos? Frases de preocupação por notar como o número de bolivianos têm aumentado na cidade? Ou então, sobre os coreanos? Médicos cubanos? Por que separamos os estrangeiros em duas classes: as que merecem respeito e as que merecem xenofobia? Por que um americano é bem recebido e um peruano é discriminado? Que critério tosco é esse?

Eu não tenho a resposta pra isso, mas acredito que se nos colocássemos no lugar do estrangeiro, certamente mudaríamos de atitude e eu, definitivamente, sempre me coloco no lugar do imigrante latino e me sinto ofendida toda vez que ouço um comentário preconceituoso ou pejorativo sobre eles.

E sabe o que é pior? O homem não gostou que o moço pediu respeito e começou retrucando o argumento, por assim dizer, do rapaz. Quando notou que ele era estrangeiro, desviou sua ofensa do conteúdo (me respeite) para o sujeito (o estrangeiro), o que só prova o quão babaca aquele cara era. Aliás, isso tem nome: ad hominem. Quando o sujeito não consegue argumentar contra o argumento do outro, passa a atacar a pessoa que não compartilha da sua opinião. Vocês já devem ter visto isto várias vezes: duas pessoas discutem por causa de um lugar na fila e de repente, uma delas começa a usar como argumento o fato da outra ser gorda ou muito baixa ou [insira aqui seu adjetivo]. Isso só prova que o cara conseguiu ser babaca duas vezes: quando foi xenófobo e, consequentemente, quando atacou a pessoa e não seu argumento.

Xenofobia não é só descaradamente declarar que não gosta de estrangeiro. É fazer comentários maldosos (não sou preconceituoso, mas esses africanos…),  piadas (não se ri do oprimido, mas talvez do opressor – quando as pessoas vão aprender isso?) e julgar a pessoa baseando-se só nisso. Porque, afinal, todos os 200 milhões de brasileiros têm a mesma personalidade, mesmos valores e modos de ver o mundo, assim como todos os bolivianos ou cubanos. Afff.

mafalda-e-o-mundo

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FAQ

Depois de dois intercâmbios e algumas viagens por aí (dentro e fora do Brasil), as pessoas à sua volta começam a fazer perguntas. Algumas perguntas eu já perdi as contas de quantas vezes respondi, sem contar que alguns amigos me tacham de doida, porque, né, só pode ter uns parafusos a menos para morar fora do Brasil duas vezes e ter um fogo no rabo siricutico desses de viajar. Confesso que não acho ruim as perguntas, mas às vezes me admiro porque as pessoas se admiram comigo. Oras, eu só juntei minhas tralhas e viajei. Algumas vezes.

E as frequently asked questions (FAQ) são:

Você vai sossegar no Brasil agora?
Sim, gente, estou sossegada no Brasil há 6 meses, embora já tenha andado por ele (ai, Guarda do Embaú, sua linda, saudade!). O que não significa que eu sossegue por aqui for good. Daqui 1 ano ou 2, eu posso estar entediada e tá dáááá: passaporte em mãos e see you soon, Brazil!

Você pretende viajar de novo?
Viajar? Mas é ÓBVIO! Só não viaja quem não sabe o bem que uma viagem pode fazer! Ninguém volta igual de uma viagem! Ninguém! Nunca! Jamais! Citando uma frase clichê de internet “A vida é um livro e quem não viaja, só lê a primeira página.” I couldn’t agree more.

Você pensa em voltar para a Irlanda?
Sim, penso quase todos os dias. Eu sei que reclamo do frio de lá que nem uma velha chata, mas eu sinto muita saudade de morar na Irlanda. Queria ter voltado para lá agora em janeiro (turismo), mas não deu por motivos profissionais (na verdade, eu que tenho uma certa tendência a ser workaholic– poderia ter dito ‘não’), mas penso em voltar assim que possível para visitar e fazer outro mochilão pela Europa. E se você me perguntar se eu penso em morar lá novamente, só o que posso dizer é que não descarto a possibilidade.

Praia de pedra na Irlanda
Saudade de ir para a praia de roupa, né, gente?

Você ainda pensa em morar no exterior?
Sim e já tenho esboço de planos para um futuro nem tão distante assim. Nada muito definido, mas o que me separa dos meus planos é apenas minha vontade de concretizá-los. E vocês sabem que quando eu coloco algo na cabeça

Você trocaria o Brasil pela Irlanda/Estados Unidos/Gringolândia definitivamente?
Não, não trocaria. Eu saio, mas eu sempre volto para a pátria amada e idolatrada cá. Eu gosto muito da descoberta, sabe? De me sentir viva aprendendo coisas novas todos os dias, observando outros costumes e modos de vida e ver o mundo, mas chega uma hora que eu sinto falta do que me faz lembrar minha infância e quem eu sou. Sem contar a falta que faz a coxinha, o pastel e o arroz com feijão da mamãe.

Você gostou mais dos Estados Unidos ou da Irlanda?
Difícil responder. Até um tempo atrás eu dizia “Estados Unidos”, mas não tenho mais tanta convicção de que minha experiência americana tenha sido melhor que a irlandesa. Aliás, só o que as duas têm em comum é que eu chamo ambas de “intercâmbio”, mas foram experiências muito distintas em vários aspectos, então, não é fácil comparar. Começando pelo fato de eu ter ido para os EUA aos 20 anos toda deslumbrada da vida e ter chegado na Irlanda com 24, já com os pés bem fincados no chão. São duas culturas distintas com as quais aprendi muito. Foram dois momentos distintos da minha vida e eu buscava coisas diferentes, minhas motivações não eram as mesmas. Comparar e escolher, então, fica difícil.

Você sente saudade das crianças que você cuidava?
*suspiros*
Se pudesse, teria colocado todas na mala e trago para o Brasil. A ciência ainda há de explicar como que uma pessoa que não sonha em ser mãe pode gostar tanto dos filhos dos outros. A., S., F. e O. serão sempre meus amorzinhos e sempre me alegro ao receber notícias deles, como ontem, que recebi um cartão de feliz ano novo da família americana, os W. 🙂

Como é o inglês da Irlanda?
É “peculiar”. Eles têm muitas expressões e gírias que só eles mesmo falam. Além disso, o sotaque pode ser bem chatinho de pegar no começo, eu não entendia tudo que me falavam quando cheguei. Porém, apesar de ser uma pequena ilha com pouco mais de 4 milhões de habitantes, a Irlanda tem muitos e muitos sotaques diferentes e até mesmo em Dublin há diversos sotaques. Então, sempre vai ter aquele irlandês que abre a boca e você acha que ele não terminou de engolir a batata porque não está entendendo bulhufas, mas também vai ter aquele com um sotaque mais light que não te faz se sentir um analfabeto em inglês. Deus abençoe os últimos. Amém.

Você já está adaptada à vida no Brasil?
Depois do baque do primeiro mês, eu me readaptei completamente a viver no Brasil. Sem crises, sem deprês. Isso só aconteceu na minha volta do primeiro intercâmbio, a famosa depressão pós-intercâmbio. Tô bem e feliz aqui.

Você é rica?
Sim, sou… de berço. Assim como todos os intercambistas.

Não arranjou nenhum namoradinho gringo?
Ai, gente. Jura?  Tanta coisa pra perguntar e me vem com essa? Dá vontade de retrucar: “Por que? Acha que só voltei porque não consegui um passaporte vinho? Quem disse que estava à procura de um, cara pálida?” Mas eu sou educada, sorrio e digo “Não, não viajei pensando nisso, anyway”… AFFFF…

Os irlandeses são bonitos?
Não fazem meu tipo. Mas sabe como são pessoas, né? Tem paulista lindo de morrer, tem paulista feio de matar. Na Irlanda, acredite, é assim também, então não posso colocar todos os irlandeses no mesmo saco e falar que são todos assim ou assado. Tem irlandês coisa linda de se ver, I’m sexy and I know it, mas tem irlandês ruivo, de olhos azuis, cheio de sarda e banguela que parece filhote de chupa-cabra. Acontece.

Você não teve medo de viajar sozinha?
Eu viajei sozinha pela Califórnia em 2008, ao 21 aninhos. Depois viajei all by myself para a Bélgica e a Holanda no ano passado (quando ainda tinha cara de 21). Não, não tive medo em momento algum. Planejei razoavelmente bem as viagens, não fiz trajetos obscuros em horários inoportunos e segui o senso comum. E não, não é deprimente viajar só. Acredito que seja um exercício de auto-conhecimento e de saber estar só na própria companhia. Nesta hora, alguns monstros podem surgir, então, se você não estiver bem consigo mesmo, pode ser um super desafio. Do contrário, enjoy your thoughts! A gente acaba pensando e refletindo muito sobre a vida também. O lado ruim de se viajar só é a) ninguém para comentar o que está conhecendo (mas dependendo da sua companhia, melhor estar só mesmo), b) ter que ficar pedindo para desconhecidos baterem fotos suas ou tirar mil selfies e c) se algo der errado, é sempre melhor se ferrar acompanhado – felizmente, não me ferrei em nenhuma viagem.

Viajando sozinha em San Francisco º 2008
Viajando sozinha em San Francisco, 2008

Você sentia falta do Brasil?
Sim, mas não ao ponto de ficar homesick e chorar. Sentir saudade é normal, mas a minha não era exacerbada. Sentia falta da comida, principalmente quando estava nos EUA – não é à toa que voltei da Terra do Tio Sam 5kg mais magra em 2009. Infelizmente, o feito não se repetiu em 2013.

E estas são algumas das perguntas que mais ouço das pessoas. Tem alguma pergunta faltando aí?

Depressão Pós Intercâmbio

Fato ou frescura?

Apesar da sua família e amigos acharem uma baita frescura da sua parte você dizer que está achando tudo estranho (“Mas tu morou aqui a vida toda e com só um ano fora tá assim, moleque?”), há estudos que compravam que sim, a tal depressão existe mesmo, e também é chamada de síndrome do regresso (e eu não sou psicóloga nem entendida no assunto e não sei explicar a diferença de uma síndrome para uma deprê- tudo que sei é que a gente fica estranho mesmo)!

Há quase dois meses no Brasil, já consigo comparar os meus retornos à pátria amada e idolatrada ao país. E eles foram muito diferentes.

Há 4 anos eu retornava depois de pouco mais de um ano morando na Obamaland nos EUA. Eu tinha 21 anos, aquela havia sido minha primeira viagem internacional e claro, meu primeiro intercâmbio. No período em que estive fora, eu viajei muito mais do que já havia viajado até então. Fui a Los Angeles, San Francisco, Las Vegas, Grand Canyon, New York, New Jersey, Connecticut, Aspen, além de ter ido pela primeira vez a Europa: Inglaterra, França e Itália. Vi neve pela primeira vez, esquiei pela primeira vez, viajei sozinha pela primeira vez, cuidei de crianças (e me apaixonei) pela primeira vez. Experimentei comida mexicana, tofu, corndog, refrigerante de creme e blueberry. Vivenciei toda a cultura dos judeus americanos e entrei numa dieta kosher. Conheci um mundo completamente novo! Foi muita informação, muitas descobertas e muito aprendizado e aí… puff! Voltei para a vida que havia deixado um ano antes. E que continuava exatamente como eu a havia deixado. Só que eu estava diferente. Não só porque então eu já falava inglês com segurança ou havia viajado. Havia algo completamente novo dentro de mim e veio o choque: parecia que tudo aquilo que eu havia vivido no último ano da minha vida havia sido um sonho, que nada era real. E eu não falo metaforicamente, eu realmente me perguntava se eu havia feito tudo aquilo, mas eu via as fotos e tudo indicava que sim, foi real. Eu estava de volta ao Brasil, sem emprego, sem viver nada novo, numa rotina de acordar ao meio-dia, ficar na internet, ir para a faculdade, voltar e ficar até altas horas da madrugada online. Eu me sentia só, incompreendida e não havia com quem falar.

...

Entendam que meu problema não foi me arrepender de ter voltado-  eu gostaria de ter ficado mais tempo nos EUA, mas não queria necessariamente voltar. Não foi achar que o Brasil é uma droga e os EUA são tudo de bom e maravilhoso- não sou dessas. NÃO! O problema foi me sentir deslocada por ter tido tantas experiências e ter voltado com uma bagagem cultural gigante e tudo continuar extamente como estava.

Isto durou alguns meses. Aproveitei que não estava trabalhando e me dediquei a faculdade para ocupar a mente (depois de superar uma crise existencial em relação ao curso de Letras- o que até merece um post futuramente) e lembro até hoje que mesmo cursando 10 matérias (o que é muito pesado) eu consegui média 9,1 naquele semestre (não sou apenas um rostinho bonito, gentchi). Esta depressão pós intercâmbio passou, definitivamente, quando comecei a trabalhar, conheci outras pessoas, voltei à realidade e ocupei minha mente. Só digo uma coisa: foi TENSO!

Aí, em 2013, eu volto da ilha dos leprechauns. Foi tudo completamente diferente! Confesso que um dia ou outro bateu uma tristeza e como já escrevi em outro post, achei as coisas por aqui meio estranhas. Mas a tristeza durou muito pouco e o estranhamento passou rapidinho. Em partes porque nos meus primeiros dias, eu mal parei em casa saindo para ver amigos (coisa que não fiz quando voltei dos EUA). Já coloquei os pés aqui com emprego, matriculada na faculdade e por último, mas não menos importante, sabendo que eu não iria mais passar taaaaanto frio! Em outras palavras, o bichinho da deprê não me pegou desta vez!
[Estudos comprovam que cerca de 70% dos leitores já pararam de ler este post ou pularam para o parágrafo final].

Como assim, Bia? Conta aê!

No meu ano na Irlanda eu conheci outros 8 países, experimentei Kopparberg *suspiros*, cuidei de crianças (e me apaixonei outra vez) e enfim, tive muitas experiências também e sim, a sensação de deslocamento também bateu na porta de novo, como eu contei de forma muito confusa aqui. Mas além de eu já ter tido a experiência e, consequentemente, ter conseguido lidar melhor desta vez, alguns outros fatores foram muito relevantes:

Maturidade– Senta aqui, meu neto, vou te contar minha história. Ok, não sou tão velha assim, estou na flor dos meus meus vinte e alguns anos, mas vamos combinar que dos 21 para 25 anos a gente amadurece bastante e ter sido completamente independente durante o último ano te força a amadurecer ainda mais. E isto, claro, te faz encarar a vida de uma forma diferente.

Deslumbramento– Na verdade, a falta dele. Lembro-me bem até hoje quando cheguei no aeroporto de Washington DC, onde pegaria meu voo de conexão para Newark para fazer o treinamento de au pair. Fui ao banheiro e fiquei boquiaberta quando vi a descarga automática! Eu achei coisa de outro mundo! Isso é para ilustrar que tudo me deslumbrava. Eu mal conseguia acreditar que estava em solo americano quando desembarquei por lá. Já minha última viagem europeia foi tipo “Tô na Holanda. Será que o hostel serve café-da-manhã?“. Parece paradoxal, mas o novo se torna normal e conhecer outro país já não causa tanto furor. O fator deslumbramento sumiu. A Alemanha pode ser tão legal quanto o Brasil, dependendo do que estamos falando. Sacou?

Brasil versus o resto do mundo – Aquela história do fulaninho que conheceu as Zoropa e acha que tudo no Brasil é uma droga e tudo fora do Brasil (e da América Latina, de preferência) é o máximo! Brasil tem problemas? Tem. A Irlanda é perfeita, né? Vai abrir sua conta no banco e aí vem falar comigo, por exemplo. Eu abomino esse pensamento com todas as minhas forças. Eu sou de São Paulo, meo, e desde que voltei da Irlanda passo perto de ter surtos psicóticos pegando o transporte público, sofro com a poluição (rinite mandou lembranças) e passei a sentir muito mais medo de voltar sozinha para casa à noite. Mas amo a comida brasileira e a variedade de doces que temos (a balança que o diga, já engordei 2kg desde que cheguei), nosso clima não me dá deprê, nosso sistema bancário é o melhor do mundo e enfim, chega desse mimimi alienado de achar que Brasil não presta. A pessoa achar que tudo no país que morava era melhor não ajuda em nada no retorno.

!!!
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Juntei tudo isso numa panela, levei ao fogo médio e mexi bem até dar ponto. Fiz brigadeiro e a vida aqui no Brasil vai muito bem, obrigada! Sinto saudade imensas da Irlanda, ou melhor, do que ficou por lá. E como saudade dói, eu tento simplesmente não pensar a respeito do que a desperta – soa frio e calculista, mas essa foi a forma que achei para lidar com ela há muito tempo!

Parabéns para você que leu o texto inteiro sem dormir! 🙂

Para terminar, tem um pouquinho de informação sobre a síndrome do regresso aqui, aqui e aqui. Mostre estes links para o povo que insiste em dizer que você está de frescura! 😉

O que você acha do Brasil?

Tanto aqui como no blog que eu escrevia sobre meu intercâmbio nos Estados Unidos, eu já falei sobre algumas peculiaridades de ambos os países. Na verdade, aquilo que eu tacho como “curiosidade”, só é assim denominado porque é diferente do que tem no Brasil. Um irlandês poderia achar uma baita invenção nossos sucos artificiais, o famoso suco “de pozinho”, porque aqui na Irlanda não tem. É estranho? É algo “wow”? Para os brasileiros não, mas para quem nunca viu isso…

Uma amiga postou no Facebook um link de um blog de um alemão que mora em Curitiba, mas especificamente, um post que ele escreveu com 100 fatos sobre o Brasil. Li e achei muito interessante ver minha cultura/realidade a partir do ponto de vista de um estrangeiro. Afinal, nós também temos nossas excentricidades e coisas que só se acham na nossa terra!

O post está em inglês, mas um nível intermediário do idioma já é suficiente para entender o essencial. Eu selecionei alguns itens da lista para postar aqui no blog.

“All Brazilians brush their teeth at lunchtime.”
Todos os brasileiros escovam os dentes depois do almoço.

Não diria todos, mas 95% dos brasileiros que almoçam fora levam para o trabalho sua pasta e escova de dentes. Muito normal para a gente, mas acredite, só para a gente mesmo. Vide os dentes dos irlandeses.

“Brazilians of all ages make very frequent use of the thumb. Be it in traffic, at sports games or just seeing a friend on the street – “giving and getting the thumb” is part of your daily moves.”
Brasileiros de todas as idades usam muito o polegar. Seja no trânsito, em jogos ou apenas ao ver um amigo na rua – fazer o “joinha” é parte da rotina.

Já havia reparado nisso? Não, porque é um gesto tão natural para a gente, né?

“Brazilians will always invite others to their homes, for a beer, for a dinner or um bate-papo when they meet someone for the first time. It’s common understanding that this never actually happens.”
Brasileiros sempre convidam os outros para irem em casa quando se conhecem, seja para beber uma cerveja, para jantar ou um bate-papo. É do conhecimento de todos que isso nunca vai acontecer.

Verdade, não? Quantos convite para uma pizza, um jantar ou almoço você já recebeu sabendo que era da boca pra fora? Na Terra do Tio Sam um convite destes não se faz sem marcar a data e o horário.

“‘Parcelar’ (paying things off in installments) or in other, broader words domestic credit, is growing at incredible rates in Brazil, and households are starting to struggle with the debt.”
O “parcelar” (pagar as comprar em prestações), ou crédito doméstico, está crescendo em proporções inacreditáveis no Brasil, e  os consumidores estão tendo problemas em quitar sua dívidas.

Isso é algo que já está incorporado ao estilo de vida e cultura brasileira. É muito normal ir a uma loja e comprar uma TV em 8 vezes, não? Mas o Tio Sam e os leprechauns não têm o hábito de fazer comprar parceladas no cartão de crédito.

"Posso parcelar em 12x sem juros?"
“Posso parcelar em 12x sem juros?”

“I have met an incredible amount of Brazilians that work extremely efficient, long hours and study in the evenings and on the weekend.”
Conheci muitos brasileiros que trabalham muitas horas por dia, estudam à noite e aos finais de semana.

Ué, você acha isso anormal? Foi basicamente a minha vida por 5 anos enquanto fazia faculdade e tenho certeza que reflete a vida de muita gente. Só que isso não é nada comum na Europa, nadinha!

“Brazilians eat avocado as a fruit, not as a vegetable.”
Brasileiros comem abacate como fruta, não como legume.

Vai um arroz com abacate aí?
Vai um arroz com abacate aí?

Engraçado que eu também estranhei quando percebi que nos EUA eles comiam abacate com a comida, não picadinho com açúcar como a gente. Hmmm….

Por isso que digo que tudo na vida é relativo e depende do ponto de vista. O que é normal para você pode ser completamente diferente para um estrangeiro. E vice-versa. Fazer intercâmbio ou simplesmente morar fora não te ajuda a conhecer outras culturas apenas, mas também te faz conhecer mais da sua. 🙂

Quem quiser conferir a lista completa escrita pelo blogueiro alemão, é só clicar aqui.

Visa

Neste post não vou falar da Irlanda, mas não deixa de se tratar de um assunto relacionado à intercâmbio e viagens.

Eu me meti a besta/classe média emergente, e resolvi tirar meu visto de turista para voltar aos Estados Unidos num futuro próximo. Depois de esperar alguns meses e ficar alguns reais mais pobre menos rica pagando as taxas do dito cujo, chegou o dia de ir ao temido lotado Consulado Americano.

Minha primeira ida a este pedacinho americano no Brasil foi em 2008, quando fui ser Au Pair. Achei as duas idas tão diferentes, que vou compará-las a seguir.

Em 2008, a economia mundial estava um pouco diferente e não havia tantos brasileiros querendo (podendo $$$) conhecer a Estátua da Liberdade. Logo, eu demorei menos tempo para marcar a entrevista, menos tempo dentro do Consulado e tinha muito mais espaço naquele cubículo, inclusive, até bancos para se sentar e aguardar (hoje eles foram substituídos por faixas para organizar a gigantesca fila). No meu blog da época, eu narrei esse dia incrível. Segue o diálogo com a consulesa, retirado do blog:

Legenda:
C: Consulesa [meia-idade, gordinha, olhos claros, simpática]
B: Bia [nervosa, pernas tremendo, suando frio]

itálico: pensamentos da Bia

C: Passaporte e formulários, por favor. [com aquele sotaque básico]
Você vai ser Au Pair?
B: Sim, isso mesmo.  Oba! A entrevista vai ser em português!
C: Where are you going to live?
B: I’m going to Colorado, Denver. Shit! Vai ser em inglês!
C: How did you hear about the program? [não entendi bem o que ela falou]
B: I’ll take care of two kids…
C: No! How did you hear about the program?
B: Sorry, I didn’t understand! [não conseguia entender a primeira palavra!]
C: How did you hear about the program? [falando pausadamente]
B: Sorry, I didn’t understand the first word. [ficando desesperada]
C: How… [mas eu entendia “al”]
B: Sorry…
C: How…
B: … [e fazendo cara de gatinho do Shrek]
C: How…
B: Sorry… Droga, meu visto vai ser negado! E vamos brincar de “how do you pronounce…”
C: How…
B: … Não me ensinaram essa palavra no curso de inglês!
C: Tell me about the program. [ufa!]
B: I’ll take care of two kids in Denver. The parents are professors of Colorado University. [não lembro bem o que eu disse depois]
C: What do you do here?
B: I study at Universidade de São Paulo, USP.
C: What?
B: Universidade de São Paulo.
C: No… which course?
B: Language and Literature.
C: Ohhhh…
B: Do you want to see the form? [eu queria dizer o comprovante de matrícula]
C: Oh, no… Who will pay for the trip?
B: I will pay and my father will help me. [tô até agora tentando entender porque disse isso.. meu pai não tá entrando com 1 centavo!]
C: What do you intend to do when you come back?
[desembestei a falar]
B: I will finish college, I want to graduate and study to be a translator and study things related to English studies…
C: [me cortou] Ok, pay this fee and come back to my window.
B: Ok, thank you.

E foi assim que consegui meu visto de intercambista.

Já em 2012, cada vez mais brasileiros desejam (e podem $$$) conhecer o Empire State Building, o prédio do King Kong, e enfrentei longas filas e passei muito tempo dentro do Consulado tentando meu lugar ao sol americano. A tensão não era menor que da primeira vez, pelo simples fato de eu gostar de viver perigosamente e estar com o passaporte no limite da validade para ter direito ao visto (6 meses) e estar com medo de que eles encrencassem com isso.

Legenda:

C: Consulesa [jovem, bem-humorada, muito simpática]
B: Bia [preparada para ouvir ‘visto negado’]

C: Bom dia! Tudo bem? [sim, ela falava português e falava bem!]
B: Bom dia!
C: Já foi para os Estados Unidos?
B: Já.
C: Qual é o motivo da viagem atual?
B: Turismo.
C: Para onde você vai?
B: Denver.
C: Por que Denver? [fazendo cara de ‘hein? que tipo de pessoa vai pra Denver?’]
B: Eu fui Au Pair e morei lá. Vou visitar minha ex-hostfamily.
C: Quando você voltou dos Estados Unidos?
B: Agosto de 2009.

tec tec tec tec tec tec tec tec tec tec tec

C: Visto concedido! Boa viagem!

Inglês e 2 minutos de entrevista X Português e 20 segundos de entrevista. Quem mais acha que o Obama está querendo nossos reais desesperadamente? E não me pediram nenhum documento para provar vínculos com minha pátria amada (em nenhuma das vezes, diga-se de passagem).

Anyway, feliz que não existe consulado irlandês por aqui para não passa por momentos tão tensos novamente!