Último dia em Riga

No segundo dia em Riga, ainda frio e cinza, saí do hostel com o mapa na mão e fui desbravando partes da Old Town que o walking tour do dia anterior não cobriu. Uma das atrações mais famosas da cidade é a House of Blackheads.

House of Blackheads
House of Blackheads

São dois prédios muito bonitos na Praça da Prefeitura da cidade e foram construídos no século 14. A construção original foi bombardeada nos anos 40 e completamente demolida em seguida pelos soviéticos. O que vemos hoje foi reconstruídos nos anos 90 e a visitação não é permitida. É lá também que fica um centro de informação ao turista. Na mesma área, fica outro museu das ocupações da Letônia, mas este também estava fechado quando fui.

De lá fui ver o Parlamento, que não é permitido visitar, mas eu já estava pela região mesmo. Tem até guarda e segurança na entrada e rola uma “mini” troca da guarda lá também.

dscf5808

Próximo ao Parlamento, fica uma estátua, a Lielais Kristaps. Diz a lenda que antes da fundação de Riga, uma homem alto e forte chamado Christopher levava as pessoas de um lado ao outro do rio que corta a cidade. Uma noite, ele acordou com o choro de uma criança que estava do outro lado do rio e correu para salvá-la. No meio da travessia, a criança começou a ficar muito pesada e ele mal conseguiu chegar ao outro lado, mas quando chegou, ele e a criança dormiram de cansaço. No dia seguinte, ao acordar, ele notou que no lugar da criança havia ouro. Quando Christopher morreu, este ouro foi usado para fundar a cidade de Riga.

Lelais Kristaps
Lielais Kristaps

Depois de dar mais uma “circulada” pelo centro, fui encontrar a guia do outro walking tour que comentei no post anterior. Este também sai da Igreja de São Pedro, mas às 12h. E como o objetivo dele não é o Centro Velho, fomos diretamente para o Mercadão da cidade, que fica a poucos metros da rodoviária.

O Mercadão
O Mercadão

O que é interessante sobre o Mercadão é que, além de ser realmente enorme, dividido em 5 galpões (carnes, peixes, frutas e legumes etc), ele é o maior Mercado da Europa e os 5 pavilhões foram construídos reutilizando hangares alemães!

Dentro do Mercado
Dentro do Mercado

A visita é obrigatória, especialmente para quem gosta de experimentar comidas locais. Além de vender comida, há também alguns quiosques que vendem comidas prontas e cervejas.

De lá seguimos para Spikeri, um distrito da cidade conhecido pela atividade cultural. No verão, há festivais e exposições, mas no inverno não é muito movimentado.

Spikeri
Spikeri

O tour foi seguindo e finalmente chegamos no Monumento à Liberdade, ponto final do tour. O monumento homenageia os mortos durante a Guerra da Independência do país e é guardado por guardas que, por mais estranho que isso pareça, são vigiados por policiais! Segundo a guia, os guardas não estão sempre lá no monumento e é difícil dizer quando estarão ou não, pois não há uma agenda.

O monumento
O monumento

 De lá, seguindo dicas da guia, fui almoçar no Lido, um restaurante bem popular na cidade e lembra muito o estilo dos restaurantes russos como o My-My, onde cada prato tem um valor diferente e você vai escolhendo o que quer e paga no final. Eu havia entrado num Lido no dia anterior na região de Old Town, mas só havia carnes e saladas e fui embora, pois achei muito fraco. Este, que fica próximo ao Monumento à Liberdade, é muito maior e tem centenas de opções! Eu optei por filé de frango recheado com queijo e batatas e só paguei 3,70 euros!

Nhom nhom!!!
Nhom nhom!!!

De lá, ainda seguindo outra dica da guia, subi no Skyline Bar, que fica no 26º andar do Hotel Radisson Blu, para ter uma visão panorâmica da cidade. A entrada é gratuita, então se você só quiser subir para aproveitar a visão, não paga nada. Claro que se entrar no bar, algum garçom vai vir te atender, mas se entrar no banheiro apenas, pode apreciar a vista sem precisar entrar no bar.

Do 26º andar
Do 26º andar

Aliás, se eu soubesse disso antes, acho que nem teria pago 5 euros para subir no mirante do prédio do Stálin, pois a visão do bar é melhor com a vantagem de não ser um local aberto, o que é realmente muito melhor na época do ano que fui.

Dei mais umas voltas pela cidade e voltei ao hostel para pegar minha mochila e seguir para rodoviária. Eu gostei muita mais de Riga do que de Tallinn, pois há mais opções de atrações e até acho que um 3º dia na cidade ainda seria bom para poder conhecer outras partes e museus que não tive tempo de ir.

Eu nunca comentei no blog, mas eu até posso aparentar ter bem menos que meus 29 anos, porém eu já tenho joelhos de idosa! haha… e o que isso tem a ver agora? Justamente no segundo dia em Riga eu passei a sofrer com dores terríveis no joelho direito, ao ponto de gemer de dor ao andar. Então, o ir até o hostel buscar a mochila e depois caminhar até a rodoviária, um trajeto total de 3km, não foi assim tarefa fácil. Cada passo era como se uma faca entrasse um pouco mais dentro do meu joelho e eu sem saber o que fazer estando no meio de uma viagem! Como levei alguns analgésicos comigo, foi a solução para ver se passava, mas a dor me acompanhou até a chegada em Oulu. Esta história fica para outro post, o importante agora é que eu adorei Riga, mesmo estando cinza e fria nos dois dias que lá fiquei, e não poderia deixar de recomendar esta capital báltica!

dscf5804

Publicidade

Hailuoto

Hailuoto é uma ilha que fica a 50km de Oulu e é muito famosa na região. Pouco depois de eu ter chegado aqui me convidaram para visitar o local, mas eu achei o convite pouco atrativo e não fui. Depois que percebi que era um daqueles lugares que se você mora um tempo em Oulu, precisa ir.

20160924_100959

Uma curiosidade é que no inverno o mar Báltico congela e uma estrada de gelo é oficialmente aberta. Imagino que deva ser uma super experiência ir até a ilha por uma estrada de gelo, mas como fui em setembro, no comecinho do outono, atravessamos o mar de balsa mesmo. Aliás, é um ônibus urbano que nos leva até a ilha e o mais interessante é que no trajeto de cerca de 1h30 entre Oulu, esperar balsa, atravessar o mar, e chegar no ponto final do ônibus na ilha, o motorista para em alguns lugares para entregar jornais e pães no mercado! Parece que estamos chegando numa vila bem remota – e quase é, já que Hailuto tem apenas 996 habitantes.

20160924_100713

O dia não estava dos mais bonitos, mas a ideia era fazer uma trilha e parar próximo a um lago para um churrasco – sim, há lagos na ilha! Passeamos um pouco pela praia e estando bem na costa, claro que passamos muito frio!

O bom é que eu já tinha aprendido a ir para praia de casaco na Irlanda
O bom é que eu já tinha aprendido a ir para praia de casaco na Irlanda

Usamos um mapa para achar a trilha e também contamos com o Google Maps, porque já que estamos na era da tecnologia, temos mais é que usar. Assim que entramos na estrada que nos levaria a trilha, uma mega surpresa: dois alces surgiram do meio do mato e atravessaram a estrada a poucos metros de onde estávamos!

Foto tirada pela A.S. :)
Foto tirada pela A.S. 🙂

Seguimos pela trilha e fomos nos embrenhando cada vez mais dentro do mato. No caminho havia muitas blueberries e sim, eu parei para pegar (mas não fui a única) e comer – e confesso que elas estavam bem mais docinhas e gostosas do que as que peguei em Oulu!

Muitas blueberries no caminho...
Muitas blueberries no caminho…

E fomos chegando em partes mais difíceis de caminhar, porque estávamos numa área de pântano!

20160924_111405

E não encontramos a área de churrasco! Mesmo com um mapa de papel, um GPS no celular, placas indicando o caminho e árvores marcadas com laços, conseguimos não achar o local! Aí ficou a dúvida: o lugar não existe ou somos muito tapados mesmo? Não sei vocês, mas eu fico com a segunda opção. 🙂

Acabamos voltando ao início da trilha, mas a caminhada foi interessante e tenho certeza que foi uma parte essencial da visita, mesmo que não tenhamos conseguido chegar ao destino. O importante era comer, porque a fome já tinha batido. Paramos em outro lugar com área de churrasco e começamos a juntar lenha para fazer o fogo – carvão é para amadores! hahaha

E haja fogo!
E haja fogo!

Pegamos alguns galhos finos para usar como espeto e foi só grelhar as salsichas, porque churrasco finlandês consiste em basicamente só isso. E depois, de sobremesa, assamos marshmellow! Claro que para trazer isso, só mesmo os americanos do grupo!

Yummy!
Yummy!

E rolou até s’mores! É um docinho típico para ser feito em fogueiras, muito popular nos Estados Unidos. Primeiro se tosta o marshmellow. Em seguida, vai um pedaço de chocolate e este recheio é colocado entre duas bolachas (porque não é biscoito). Eu conheci o doce quando morava nos EUA e foi legal comer um em Hailuoto, apesar que na minha versão eu dispensei as bolachas.

20160924_131322
Ops, saiu meu casaco na foto!

Após o churrasco, voltamos ao farol e esperamos o ônibus para retornar a Oulu. Foi um dia muito gostoso e sei que vai ser mais um daqueles momentos que vou lembrar com saudade quando Oulu for mais uma lembrança. 🙂

img-20160924-wa0021

Budapeste, Hungria IV

O último dia na cidade já começou com aquele aperto no coração, uma saudade do que ainda não havia terminado! Já disse que Budapeste é linda? 20160519_182804

Eu sempre faço walking tour quando visito uma cidade e, normalmente, é a primeira coisa que faço já para pegar dicas e conhecer melhor os principais pontos da cidade com um local. Mas em Budapeste eu acabei invertendo a ordem das coisas e o tour ficou para o último dia, já que no primeiro cheguei depois do horário do tour e no segundo dia combinei de encontrar a L.

O tour começa em frente a Basílica de São Estevão e desta vez nossa guia era uma local mesmo (muitas vezes, o guia é um estrangeiro que mora na cidade). A guia disse que a melhor vista da cidade é da torre da basílica – mas depois de subirmos na torre da Igreja de São Matias e na Citadella e poder ver os dois lados da cidade – Buda e Peste -, achamos que não faria muito sentido subir na basílica, então não posso confirmar se a dica da guia vale a pena. E apesar de a igreja ser a construção mais alta da cidade (96 metros), a Igreja de Matias está numa colina, então, em termos absolutos, está num nível bem mais alto. Outra curiosidade, é que dentro da basílica, supostamente, está a mão do rei Estevão. Há controvérsias se aquela é mesmo a mão dele, mas está lá para quem quiser ver.

20160517_180837

Seguindo pelas ruas, paramos na estátua acima. Já tínhamos passado por ela, mas com o tour descobrimos seu significado. A estátua do policial barrigudo está lá desde 1900 e reza lenda que foi feita em homenagem a um certo policial que patrulhava a região e era muito simpático. Diz a lenda também que o motivo de tanta alegria era comida e mulher (porque, lógico, você pode colocar mulheres na mesma categoria de comida, mas vamos adiante). E claro, há uma superstição envolvendo a estátua: dizem que se você esfregar a mão na pancinha dele, terá sorte no amor. Se passar a mão ajeitando o bigode, terá sorte na vida. Será que fiz um carinho nesta pancinha? 🙂

DSCF4670

Outra famosa estátua da cidade é a Pequena Princesa. Reza a lenda que havia esta princesa que nunca quis ser princesa e muito menos rainha. Ela usava as roupas de seu irmão e queria ser rei quando crescesse. Diz a lenda que esfregar as mãos em seus joelhos traz sorte e realização pessoal.

Entre uma parada e outra e dicas da guia, ainda no lado Peste, entramos na mais antiga linha de metrô da Europa continental, pois a guia queria nos contar sobre o pioneirismo húngaro que os deixa muito orgulhosos. É fato que já havia metrô em Londres quando, em 1896, começaram as obras em Budapeste, mas eles consideram somente a Europa continental, portando, as ilhas britânicas ficam de fora. É a mesma linha de metrô que nos levou a Praça dos Heróis no dia anterior.

DSCF4658

A linha mais antiga é bem diferente das demais de Budapeste, com trens bem pequenos e antigos, mas bem conservados. As estações também estão muito bem conservadas e vale a pena pegar o metrô nesta linha só para ver como são as estações e ter a experiência de andar no vagão.

20160519_103802

O tour continuaria seguindo para o lado Buda, mas nós já tínhamos subido a colina duas vezes e visitado tudo que nos interessava, então conversamos com a  guia e nos despedimos do tour na famosa Chain Bridge, que claro, também tem suas lendas e superstições.

20160519_151130

A ponte ficou pronta no fim do século 19 para ligar os dois lados da cidade, divididos pelo Rio Danúbio. Reza a lenda que quem mandou fazer a ponte só o fez porque quando seu pai estava no leito de morte, ele não conseguiu cruzar o rio de barco por ser muito perigoso na época e, portanto, não pode se despedir de seu pai. Ele jurou que terminaria a ponte para que nenhuma outra família tivesse que passar por isto. Outra versão diz que ele tinha uma amante do outro lado do rio e só queria uma forma de atravessá-lo mais rápido. A ponte tem 4 leões, cada um guardando um lado da ponte. Outra lenda (cidade cheia de histórias, não?) conta que o responsável por esculpir os 4 leões estudou a anatomia do animal por anos, os observando no zoológico, e quando tudo ficou pronto, ele desafiou que encontrassem algum defeito no seu leão – se alguém apontasse algo, ele se mataria. Infelizmente para ele, um menino disse que os leões não tinham língua e percebendo seu enorme erro, ele teria se jogado no Danúbio. Como os leões têm língua (que só podem ser vista de um ângulo mais alto), esta história realmente não passa de uma lenda.

Ao nos despedir do tour, seguimos para o Parlamento Húngaro, mas só para observar do lado de fora. O valor do ticket para não europeus é 5400 florins (18 euros), o que é absurdamente caro para os padrões da cidade! Europeus pagam bem menos do que isso, mas por enquanto, eu tenho só o passaporte de capa azul, então…

O Parlamento de um ângulo alternativo
O Parlamento de um ângulo alternativo

Estava um lindo dia e seguimos andando pela margem do Danúbio até chegarmos nos Sapatos no Danúbio, uma escultura em memória dos judeus húngaros que foram mortos no local – eles eram levados até a margem do rio, tinham que tirar seus sapatos e levavam um tiro. O rio levava os corpos embora.

Triste
Triste

O último dia em Budapeste estava acabando, mas o final da viagem fica para o próximo post. 🙂

Procura-se: escuridão

Muita gente me questiona sobre o inverno na Finlândia querendo saber se é tão mortal frio quanto pintam! E eu sempre digo que o pior do inverno finlandês não é o frio, já que o país todo é muito preparado para isso e tem aquecimento em todos os lugares, o problema mesmo é a escuridão. Os dias ficam muito curtos e, em Oulu, no auge amanhece depois das 9h da manhã e às 14h30 já começa a escurecer novamente. Existe até uma depressão associada a esta época do ano.

Mas a primavera chega e os dias começam a ficar mais longos. Longos. Longos. E quando nos damos conta, não existe mais escuridão!

Foto tirada às 20h30
Foto tirada às 20h30 no final de março

No começo, é só alegria! Tem o estranhamento de sair da universidade às 4 da tarde e não estar escuro, mas em seguida, a alegria toma conta. Os dias estão longos, vamos aproveitar!

Mas aí os dias vão se estendendo muito e você começa a ficar confuso, afinal, já vai dar 21h e não está escuro ainda!

Foto tirada às 20h em meados de abril
Foto tirada às 20h em meados de abril

E chega ao ponto que, poxa, não é mais tão legal assim. Você quer dormir até mais tarde, mas às 5h da manhã o sol já está brilhando com toda força e às 22h, está claro! Seu cérebro não aceita muito bem isso, você fica confuso.

Foto tirada às 21h30 no começo de maio
Foto tirada às 21h30 no começo de maio

Mas não adianta, todos os dias o sol vai nascer 3 minutos mais cedo e se por 3 minutos mais tarde que no dia anterior. Todos os dias vamos ganhar 6 minutos a mais de claridade até o solstício de verão no hemisfério norte, em 21 de junho.

Foto tirada à 1h15 da manhã no começo de maio
Foto tirada à 1h15 da manhã no começo de maio

E é estranho acordar às 3 da manhã para ir ao banheiro e não precisar acender a luz. Ou ir dormir antes da meia-noite e o céu não estar preto. O céu já não fica mais preto.

Foto tirada às 3h da manhã no começo de maio
Foto tirada às 3h da manhã no começo de maio

Ainda falta cerca de um mês para o dia mais longo do ano, mas eu já estou com uma saudadezinha de ver o céu preto. Eu não tenho cortinas black-out e meu quarto fica muito claro já antes das 4h (e minha janela nem está virada para o leste). Eu durmo com uma boa venda no olhos, mas não tem jeito, mesmo sem entrar nada de claridade por ela, acho que o corpo sabe que é dia e eu não consigo mais dormir. Acordar às 6h (ou até antes) virou rotina e num dia que consigo dormir muito, vou até às 8h, mas é raro. Como acordo muito cedo, às 23h já me sinto muito cansada e mesmo sem estar completamente escuro, é muito difícil continuar acordada – não é noite, mas pelo menos não está mais tão claro.

Foto tirada à meia-noite em meados de maio
Foto tirada à meia-noite em meados de maio

E assim vamos, rumo a dias sem noite, até que o ciclo se inverta e vamos perdendo 6 minutos de claridade todos os dias, até o solstício de inverno, no dia 21 de dezembro…

Foto tirada às 23h em meados de maio
Foto tirada às 23h em meados de maio

Os incomodados que se mudem

Eu deveria ter contado isso no blog há uns bons meses, mas fui acumulando posts de viagem e quando me dei conta, a história passou e eu não contei. Antes tarde do que nunca, fiquem com o post meio no estilo “Casos de Intercâmbio” e percebam que nem tudo é flores quando a gente resolve morar fora. Neste post inteiro eu vou chamar as envolvidas de finlandesa e iraniana para ficar mais fácil de seguir a história. E senta, que lá vem história.

Eu contei aqui no blog como foi para conseguir uma vaga em república em Oulu e eu confesso que não fiquei pensando quem seriam as pessoas que morariam comigo. Aliás, eu não fiquei pensando como seria morar em Oulu at all.

No dia que cheguei conheci uma das flatmates, a R., uma finlandesa de 19 anos que havia acabado de começar sua graduação em Educação. Ela foi bem receptiva, mas havia se mudado para o apartamento apenas uma semana antes de mim e me disse que a outra menina estava viajando, mas que ela parecia “uma pessoa bacana”, isto dito com um sorriso meio amarelo. A outra menina chegou e conheci a iraniana que estava fazendo doutorado em algo x que eu não me lembro. Ela se apresentou cheia de sorrisos e ficou por isso.

A casa estava cheia de decorações bregas de gosto duvidoso, como luzinhas de Natal em agosto (algo que eu não curto nem em dezembro), arranjos caindo do teto que pareciam ter sido feitos por crianças de 5 anos, posteres de paisagens americanas e cartões pregados na geladeira.

Sintam. O. Drama.
Sintam. O. Drama.

A finlandesa e eu, novas moradoras, não curtimos muito esta decoração já que concordamos que a área comum deveria ser algo clean, e enfim, cada uma tinha um quarto enorme para decorar como bem entendesse. Além disso, esta decoração não tinha significado nenhum para nenhuma de nós duas. A iraniana morava lá há um ano, mas eu parto do princípio que se todo mundo paga o mesmo valor de aluguel, não tem dessa de morador antigo ditar regras e então a finlandesa e eu resolvemos conversar com a iraniana. Notem que não decidimos simplesmente tirar a decoração porque éramos maioria, mas queríamos conversar. A iraniana, porém, não gostou da ideia, disse que gostava de decorações felizes para se sentir mais como se estivesse numa casa e não compartilhava da ideia de área comum neutra. Tentamos, em vão, argumentar que ela tinha todo o direito de decorar seu quarto do jeito mais feliz que ela quisesse, mas que havia outras duas pessoas morando naquela casa que não gostavam da decoração. Final da conversa: ela topou tirar os cartões da geladeira e as fotos de paisagens da parede, mas as luzinhas de natal e a decoração grotesca do teto permaneceram e não sei se foi pirraça, mas ela resolveu ligar as malditas luzinhas justo naquela semana e elas jamais foram desligadas – economia de energia mandou lembranças. O motivo da conversa em si pode parecer bobo – eu podia praticar o deboísmo e deixar pra lá – só que a conversa disse muito sobre a personalidade de cada pessoa e isso sim foi muito importante. Continuemos.

Minha convivência com as duas se resumia a cumprimentar a finlandesa, que era muito reservada e não muito dada a conversas, e trocar algumas palavras com a iraniana, que em alguns dias estava cheia de sorrisos e em outros, com cara de enterro.

Passada a situação da decoração, chegou a hora de falar da limpeza da casa. A iraniana, sem perguntar nada, pendurou uma tabela na parede para cada uma de nós colocar o nome na semana que fizesse faxina. Ficou decidido (somente por ela) que cada uma deveria limpar sozinha o apartamento inteiro e cada uma deveria comprar os próprios produtos de limpeza para isso. Eu teria ficado muito mais chocada com isso não fosse o fato de que quando cheguei haver inúmeros pratos, panelas, talheres e outros itens  na cozinha e ela me falar que era tudo dela e eu deveria comprar os meus. A isso, junte que havia vários recadinhos pelo apartamento com mensagens do tipo “Dê descarga duas vezes”, “Lave sua louça imediatamente”, “Guarde a louça seca”, “Lembre-se da sua semana de limpar a casa” etc. E estamos falando de um espaço habitado por pessoas adultas.

Apesar dos bilhetinhos, todos escritos por ela, eu achava roupas dela de molho na pia do banheiro (e daí que eu queria escovar o dente, né?) e – atenção, frase forte a seguir – pelos na pia, como se ela tivesse raspado a axila e batido a lâmina para limpar. Como eu sei que era ela? A finlandesa era loira, os pelos eram pretos e eu não tinha feito aquilo. Mas a vida ia seguindo.

Um belo dia, apenas um mês depois de eu me mudar, chego em casa e ela está na cozinha muito nervosa. Ela havia limpado a casa naquela manhã e tinha migalhas no balcão da cozinha. Ela me olhou e disse num tom muito nervoso que não se conformava que a casa jamais ficava limpa. Eu só olhei de canto e disse “Eu acabei de chegar”, como quem diz “reclame com quem você sabe que fez”. Vou ao meu quarto, e momentos depois quando saio, ela me pergunta rispidamente se eu ainda iria guardar coisas no meu armário, do contrário, deveria mantê-lo fechado. Oi?! Se eu esqueci aberto, o que custa ela fechar se a incomoda? E não é como se eu sempre deixasse aberto!

Algumas semanas depois é a vez dela de limpar a casa novamente. Eu havia limpado duas semanas antes, mas ao invés de ter feito num domingo, como o usual, limpei na segunda, porque estava ocupada no final de semana, e não havia ninguém em casa no momento. Não sei porque e nem questionei, ela não limpou na semana seguinte e esperou 2 semanas para faxinar. Agora é que a treta começa.

Estou eu saindo do apartamento para ir a lavanderia quando olho para a tabela de faxina que ela colocou na parede. Ao lado do meu nome, na última data que incluí, ela escreveu:

"didn't really notice!"
“really didn’t notice!” – imagem borrada para preservar a “identidade” das envolvidas

Pois ela, agindo como uma adolescente, resolveu deixar um desaforo. Quando eu li isso, meu sangue ferveu! Dei meia-volta, bati na porta do quarto e fui perguntar qual era o problema dela. Ela ficou parada na porta como um cão com o rabo entre as pernas e deu a justificativa mais estúpida: as pessoas não gostam de ser incomodadas, então eu prefiro deixar bilhetes. Eu expliquei que o que ela havia feito era muito rude e que se ela tivesse algum problema com minha limpeza, que me falasse. E ela ainda soltou um “A casa estava tão suja que não parecia que você havia limpado” e eu “É que como você não limpou na semana passada, depois de duas semanas está suja mesmo”.

Desci para colocar minhas roupas na máquina de lavar e quando voltei, ela havia escrito “problem solved :)” ao lado do “really didn’t notice”, com carinha e tudo. O problema não estava resolvido, estava só começando.

Eu fiquei tão puta inconformada com a atitude dela, que daquele dia em diante eu passei a ignorá-la completamente. E ela também, mas continuou deixando bilhetinhos pela casa. No final de semana seguinte, por exemplo, a finlandesa fez batatas no forno e largou a forma suja em cima do balcão e foi viajar. A iraniana, sendo muito madura, deixou um bilhete:

O recado era pra forma sair de lá sozinha ou que?
O recado era pra forma sair de lá sozinha ou o que?

Eu tirei foto de tudo porque acho que só contando ninguém acredita em mim. No dia seguinte, percebendo que eu dei tanta importância ao recado que a forma não havia mexido um milímetro do lugar, ela mesma guardou. Por que não fez isto logo ao invés de deixar bilhetinho, né?

E foram dias seguidos de bilhetinhos deixados por aí com regras que ela criou sozinha e não perguntou a ninguém. Ela não sugeriu que houvesse uma conversa para falar de limpeza, porque era muito mais fácil agir assim, pelo jeito. E foram outros episódios, mas os deste post já são suficientes para ilustrar a situação.

A mudança

Felizmente para mim, no apartamento onde A. e V. já moravam, no mesmo prédio, o outro quarto iria ficar vago. Elas já se davam bem e ficaram com receio de entrar uma pessoa que não fosse bacana. Eu achava que poderia viver num apartamento simplesmente ignorando uma de minhas flatmates, mas depois de todas estes episódios, eu percebi que não, não dava. Foi então que fomos ao PSOAS e formalizamos minha mudança! O mais engraçado é que a finlandesa se mudou no mesmo final de semana que eu, ou seja, a iraniana não é flor que se cheire.

Pois é!
Pois é!

Eu adorava a vista que tinha do 5º andar! Era um nascer do sol mais lindo que o outro e até aurora boreal eu conseguia ver se fosse numa noite boa. A vista do segundo andar não é tão encantadora assim, mas a paz e tranquilidade de morar com gente normal compensa. 🙂

Pois é, nem tudo é lindo quando a gente resolve ir estudar no exterior. E este foi o “Barracos de Intercâmbio”.